Título: O Fundo é Apenas o Começo
Autor: Neal Shusterman
Editora: Valentina
Páginas: 272
Estrelas: 5/5
Livro: Cortesia da editora Valentina
Uma poderosa jornada da mente humana, um mergulho profundo nas águas da doença mental. CADEN BOSCH está a bordo de um navio que ruma ao ponto mais remoto da Terra: Challenger Deep, uma depressão marinha situada a sudoeste da Fossa das Marianas. CADEN BOSCH é um aluno brilhante do ensino médio, cujos amigos estão começando a notar seu comportamento estranho. CADEN BOSCH é designado o artista de plantão do navio, para documentar a viagem com desenhos. CADEN BOSCH finge entrar para a equipe de corrida da escola, mas na verdade passa os dias caminhando quilômetros, absorto em pensamentos. CADEN BOSCH está dividido entre sua lealdade ao capitão e a tentação de se amotinar. CADEN BOSCH está dilacerado. Cativante e poderoso, O Fundo é Apenas o Começo é um romance que permanece muito além da última página, um pungente tour de force de um dos mais admirados autores contemporâneos da ficção jovem adulta.
A primeira vez que eu soube do lançamento desse livro,
fiquei completamente ansiosa para conferi-lo, pois eu já conhecia a escrita do
Neal Shusterman por conta do livro “O Ceifador”, então as minhas expectativas
sobre a história estavam super altas, eu só não imaginava o quão impactante
esta leitura seria haha. Demorei mais do que o normal para escrever essa
resenha, pois eu ainda estava refletindo sobre essa obra maravilhosa que me deu
não apenas uma ressaca literária, mas também uma nova perspectiva sobre essa
doença tão cruel e assustadora, que é a esquizofrenia. Agora vamos à resenha!
“Sua irmã dorme no quarto ao lado; seus pais, no seguinte. Seu pai está roncando. Daqui a pouco sua mãe vai dar uma cutucada nele, que vai se virar e parar de roncar, talvez até o amanhecer. Tudo isso é normal, o que é um grande conforto. Do outro lado da rua, os sprinklers do vizinho começam a funcionar, sibilando tão alto que chegam a abafar o tique-taque do relógio. Dá para sentir a bruma do sprinkler pela janela aberta — o leve cheiro de cloro, o forte cheiro de flúor. Não é legal saber que os gramados da vizinhança terão dentes saudáveis? O sibilo dos sprinklers não é como o som das serpentes. E os golfinhos pintados na parede do quarto da sua irmã não são capazes de elucubrar tramas mortais. E os olhos dos espantalhos não enxergam. Mesmo assim, há noites em que você não consegue dormir, porque essas coisas que te obrigam a fazer mil e um malabarismos tiram toda a sua concentração. Você tem pavor de que uma das bolas caia, porque, se isso acontecer, como é que vai ficar? Você nem se atreve a imaginar além desse momento. Porque quem está à sua espera nesse momento é o Capitão. Que é paciente. E espera. Sempre. Muito antes de o navio existir, já existia o Capitão. Essa viagem começou com ele, você suspeita que vai terminar com ele, e tudo o que resta entre uma coisa e a outra é a comida em pó dos moinhos de vento que podem ser gigantes triturando ossos para fazer o próprio pão. Pise com cuidado, ou irá despertá-los.”
Caden Bosh é um jovem de 15 anos, que vive com seus pais e sua
irmã de 10 anos, Mackenzie. Também têm dois melhores amigos chamados, Max e
Shelby, e que juntos trabalhavam num projeto de RPG, onde ele criava os
personagens para o projeto por ser muito bom nos desenhos. Caden tinha uma vida
bastante normal, era inteligente, sempre super confiante e extrovertido, mas
isso foi antes da doença mental surgir em sua vida.
Caden possui o transtorno de espectro esquizoafetivo, uma
mistura entre o transtorno bipolar e a esquizofrenia. Portanto, o enredo se
passa no início da doença até o momento em que ele não consegue mais controlar
os seus pensamentos ou suas ações.
Tudo começa com a insônia, é também neste momento que sua
mente começa a fazer um malabarismo entre o real e o imaginário. Pois todas as
noites, Caden estava a bordo de um navio, cujo Capitão era um pirata que
possuía um tapa olho que escondia o buraco assustador que simbolizava a falta
de um dos seus olhos e era fechado por um caroço de pêssego. Caden não se
lembra quando a viagem começou, era como se sempre tivesse estado em sua mente
e ele não tivesse controle quando o capitão surgia. Ao mesmo tempo em que
estava no navio, ele tinha preocupação com sua irmã e se algum dia voltaria para
a sua família.
Havia tripulantes mais velhos, chamados de oficiais, e os
mais jovens como Caden. Seus colegas de tripulação, rapazes e moças, cuidavam
de seus afazeres e não lhe dirigiam a palavra. Era como se ninguém gostasse
dele e ficavam irritados quando ele se oferecia para ajudá-los. Todos no navio
eram mantidos sob supervisão constante pelo Capitão, que para Caden, ele era
vagamente conhecido e desconhecido ao mesmo tempo. Por algum motivo, o Capitão
parecia saber tudo ao seu respeito, o que deixava Caden totalmente intrigado.
Carlyle, além de ser o faxineiro do navio, também era ruivo
e simpático. O papagaio era tão intrigante quanto o Capitão, ele também possuía
um tapa olho e apesar de estar na maioria das vezes no ombro de seu dono, havia
certa rivalidade entre os dois. E por algum motivo, ambos terão um grande
apresso por Caden ao longo da história.
“— Me desenha — ordena o papagaio, espiando meu bloco. — Me desenha. — Não me atrevo a recusar. — Faz uma pose — respondo. Ele se ajeita na amurada, ergue o bico majestosamente e eriça as penas. Trabalho sem pressa. Quando termino, mostro o resultado. O desenho de um cocô fumegante. Ele o observa por alguns segundos, e então diz: — Parece mais o meu irmão. Depois de ter sido devorado por um crocodilo, é claro. Isso me faz abrir um sorriso sincero. Faço um segundo desenho que se parece de fato com ele em cada detalhe, tapa-olho e tudo. Só que o capitão estava vigiando, e, quando o papagaio sai voando, muito satisfeito, ele confisca o lápis e o bloco. Mas, pelo menos, não me condena a ter a mão direita decepada. Correm boatos de que os tripulantes com pernas de pau ficaram nesse estado por jogar futebol no convés. — Não lhe dei permissão para ter talento — diz o capitão. — Pode ofender os outros tripulantes, que não têm nenhum. Embora o talento seja uma coisa de que a pessoa é dotada mesmo que não peça permissão, curvo a cabeça e pergunto: — Por favor, senhor... Será que me permite ter talento para o desenho? — Vou pensar no assunto. — Ele dá uma olhada no retrato do papagaio, franze o nariz e o atira ao mar. Em seguida, observa o desenho do cocô fumegante e sentencia: — Um retrato muito bem-feito. — E o atira ao mar também.”
E por último, mas não
menos importante tem Calíope, a bela, porém triste e solitária carranca do
navio, que parece sentir não apenas o navio, mas também tudo a sua volta desde
o oceano e os animais marítimos.
O objetivo do Capitão é chegar a Fossa das Marianas, mais
especificamente em Challenger Deep, onde a entrada e saída são terrivelmente
perigosas por conta dos monstros que lá vivem e cujas recompensas são tesouros
magníficos.
A narrativa intercala os momentos de Caden a bordo do navio
até o seu destino e os estágios do seu transtorno mental.
Caden começa a ter sonhos perturbadores com sua família,
onde ele está em uma Cozinha de Plástico Branco e sua família, na verdade, são
monstros que querem despedaçá-lo. Suas emoções começam a ficar descontroladas,
a alegria se torna raiva, que em outro momento, transforma-se em medo e o medo
vira uma ironia divertida.
Os desenhos que antes eram formas, agora são rabiscos que
formam uma imagem assombrosa, mas que tem sentido para ele. Caden começa a se
distanciar não apenas de seus amigos, mas também de sua família, fingindo estar
na equipe de corrida, mas que na verdade, está caminhando sem destino pelas
ruas, ficando horas perdido em seus pensamentos a ponto de seus pés doerem e
ganharem bolhas. E assim como as emoções, seus pensamentos também começam a
ficar descontrolados, Caden começa a ter alucinações, ouvir vozes e ter
paranóias, onde ele começa a achar que um jovem da sua escola quer matá-lo.
“Às vezes, a escuridão além não tem nada de glorioso, é uma verdadeira e absoluta ausência de luz. Um breu pegajoso que se cola na sua alma e a puxa para baixo. Você se afoga nele sem se afogar. Ele te transforma em chumbo, e faz você afundar mais depressa na sua membrana viscosa. Priva você de toda a sua esperança, e até das recordações da esperança. Faz com que pense que sempre se sentiu assim, e que não há nenhuma direção a seguir a não ser para baixo, onde ela digere a sua vontade lenta e gulosamente, destilando-a no petróleo de ébano dos pesadelos. E você conhece a escuridão além do desespero tão intimamente quanto as alturas vertiginosas. Porque neste e em todos os outros universos existe um equilíbrio. Você não pode ter um sem enfrentar o outro. E, às vezes, pensa que é capaz de suportar isso porque o êxtase vale o desespero, mas outras vezes sabe que não, como pôde pensar o contrário? E a dança prossegue: força e fraqueza, confiança e desolação. O que vejo quando fecho os olhos? Vejo além da escuridão, e tanto acima quanto abaixo há uma grandiosidade incomensurável.”
Até que ele chega em seu abismo, onde não consegue mais
diferenciar o real do imaginário. Percebendo o seu comportamento, seus pais
decidem interná-lo no Seaview Memorial Hospital, uma Unidade Psiquiátrica
Juvenil. E é a partir deste momento, que o Capitão e o seu navio, se tornam
mais reais para Caden.
Socorroo, que livro é esse? Nunca li um livro tão
impactante, angustiante, fantástico e emocionante quanto este! Eu não possuía
muito conhecimento sobre a esquizofrenia, então essa história foi um choque de
realidade para mim. O livro é narrado em primeira pessoa pelo Caden, portanto,
preparem os seus corações, pois não é uma leitura para qualquer um. O personagem
expõe todos os seus pensamentos de uma forma bem real e intensa, é impossível
não sentimos empatia pela sua história.
Contudo, apesar de ler apenas pela perspectiva
do Caden, é possível perceber os sentimentos das pessoas a sua volta, como a
sua família e os amigos, fiquei me perguntando o quão difícil deve ser para os
pais verem o que está acontecendo com o seu filho e não poder fazer nada. Foi
uma leitura incrível e o final me surpreendeu bastante. Após a leitura desse
livro, li que a esquizofrenia não tem cura, porém é possível amenizar a
gravidade da doença através de um tratamento psiquiátrico e que a ciência tem
desenvolvido medicamentos cada vez melhores e mais específicos para tratá-la. A diagramação está lindíssima, e contém os intrigantes desenhos no começo de cada capítulo como se fossem do próprio Caden.
O que me surpreendeu e me impactou mais ainda foi ao ler
as notas do autor, onde ele conta que essa história foi baseada em fatos reais.
Pois o filho do Neal, Brendan, teve essa doença e que todos os desenhos que
estão no livro foram feitos por ele nos seus momento mais difíceis. O objetivo do autor é confortar as pessoas que passaram por
isso, e também fazer com que os leitores tenham empatia e possam compreender
como é navegar pelas águas obscuras e imprevisíveis dos transtornos mentais. Agora
vocês me entendem o porquê de eu ter demorado para fazer essa resenha haha.
Leiam, gente! Vocês não irão se arrepender, a história é magnífica, profunda e
envolvente! Vale a pena conferir!
Oi Jenny!
ResponderExcluirEu achei muito lindo e triste o fato do autor se basear em seu próprio filho. Parece ser uma história realmente fascinante e cheia de aprendizados, espero ter a oportunidade de lê-lo em breve. Parabéns pela resenha, está impecável!
Abraços
Olá
ResponderExcluirEu ainda não tive a oportunidade de ler nenhum livro desse autor, mais já tive a oportunidade de trabalhar em um local onde pessoas com doença mental vive e é ainda mais impactante a vivencia assim como deve ser a leitura desse livro. Dica anotada
Olá, tudo bem? Nunca li um livro com um personagem esquizofrênico. Que interessante, mas ao mesmo tempo triste, o autor ter se inspirado no seu filho. Deve ser terrível viver em uma mente turbulenta assim. Parece ser uma leitura fantástica mesmo!
ResponderExcluirBeijos,
Duas Livreiras
A temática do livro me lembrou de "Lúcida" um livro MUITO bom também. Fiquei com vontade de ler esse e sentir o mesmo impacto que vc sentiu, espero gostar tanto quanto você!
ResponderExcluirOiii Jenny
ResponderExcluirAh eu quero ler tudo o que o Neal Shusterman escrever, ele é muito talentoso. Ja estava de olho nesse livro desde a publicação dele e agora sei que realmente preciso ler porque acho que vou amar igual amei O Ceifador.
Beijos
www.derepentenoultimolivro.com
Li esse livro recentemente e ele mexeu demais comigo. A leitura é muito intensa, o autor explora de uma maneira completamente profunda os temas que aborda na obra e isso é muito bom. Gostei bastante de conferir a sua opinião sobre a leitura
ResponderExcluirOi Jenny, sua linda, tudo bem?
ResponderExcluirEu também não sabia nada sobre o assunto até ver um dorama específico sobre essa doença e ver alguém que você ama sem poder fazer nada é cruel, ter que internar quem você ama é cruel. Essa doença não ter cura é cruel. Achei super importante o autor vir aqui e falar sobre ela, contando sua própria experiência, quem sabe assim pessoas que se encontram na mesma situação não encontram um pouco de alento? Quem sabe ele até pode ajudar com seu livro. Todos deveriam ler. Sua resenha ficou ótima!!!!
beijinhos.
cila.
http://cantinhoparaleitura.blogspot.com/
Olá, tudo bem Jenny?
ResponderExcluirEu gosto muito da escrita do Neal Shusterman, já li alguns livros do autor, mas "O Fundo é Apenas o Começo" ainda não li. Gostei da sua resenha, ficou maravilhosa. Parabéns!
Dica anotada!
Abraço!
eu cheguei a iniciar a leitura da obra mas acabei deixando um pouco de lado por causa da faculdade, mas quero muito terminar porque fiquei bem intrigada.
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